Notícia

Uma experiência enriquecedora

25.01.2022

Shahriar (na foto de pé, à esquerda) passou uma semana a acompanhar o trabalho da Animalife, em conjunto com três outros estudantes de diferentes nacionalidades, todos alunos do mestrado Erasmus Mundus in social work with families and children. Recebemos o grupo a pedido do ISCTE para um estágio presencial. Terminada a experiência, quisemos saber o que de mais relevante Shahriar leva para o seu país de origem, o Bangladesh, onde áreas de intervenção como a do bem-estar animal ou combate ao abandono estão ainda muito longe da realidade de países ocidentais, como Portugal.

Durante o período de estágio, Shahriar acompanhou de perto o dia a dia da Associação. “Trabalhei com a equipa em situações práticas como distribuição de alimentação animal, atendimentos profiláticos prestados pelo veterinário e também em atendimentos sociais a utentes”.

De tudo, o que mais o impressionou foi a forma como atualmente a Animalife desenvolve o conceito social-animal. “A Associação está a explorar uma nova área de trabalho social que é a intervenção social com animais. Esta área procura ajudar não só os animais, mas também as famílias que deles cuidam, contribuindo para a sua formação e apoiando no acesso aos recursos sociais existentes”.

Shahriar admite que para si esta é uma maneira de atuar totalmente inovadora. “Nunca me ocorreu pensar que, em algumas famílias, especialmente no mundo ocidental, os animais de estimação pudessem ser considerados membros centrais da família e que cuidar deles resultasse no bem-estar de toda a família.”

Pelo menos para já, este é um tipo de conceito impensável de aplicar no Bangladesh. No país de Shahriar há muito poucas famílias com animais de estimação. “A identificação eletrónica de animais não existe, pelo que não há dados oficiais relativos ao abandono. Cães e gatos de rua são comuns e a generalidade da população trata-os com respeito, alimentando-os. Existe uma lei de bem-estar animal e penalizações associadas ao seu incumprimento. Esporadicamente assiste-se a alguns incidentes de maus-tratos, mas há organizações que trabalham para abolir a crueldade contra animais.”

Contactar com uma realidade tão distinta da do seu país foi – reconhece – “uma experiência enriquecedora”. E deixou a vontade de promover a mudança. “O trabalho de veterinária social não é muito aplicável em países em vias de desenvolvimento, especialmente no Bangladesh onde os animais não são considerados parte da família.” Mas tal não significa que a realidade não possa vir a mudar. “Esta é uma abordagem que poderemos tentar com novas famílias, promovendo novas dinâmicas familiares que valorizem mais os animais de companhia, no sentido de um futuro melhor”.


Quando concluir a sua formação, Shahriar quer trabalhar com pessoas, em especial com crianças. Da semana que passou na Animalife, leva outro tipo de experiência, que considera lhe poderá vir a ser útil. “As teorias de abordagem do serviço social, como a teoria do sistema, são aplicáveis ao olhar para uma família como um sistema, em que o seu bom funcionamento depende do bem-estar dos diferentes subsistemas, como é o caso do dos animais de estimação.”
 

Ter tido a oportunidade de receber estes alunos de Erasmus, vindos de contextos diametralmente diferentes do meu, foi uma experiência extremamente enriquecedora. 

Todos eles com origem em países onde a intervenção social ainda está muito dirigida à supressão das carências mais básicas que um ser humano pode ter: a pobreza extrema é uma problemática muito vincada, o acesso a cuidados de saúde é ainda uma questão muito representativa, entre muitas outras situações que se sobrepõem ao bem-estar animal.

Nos vários países de onde estes alunos vieram os animais errantes são, muitas vezes, um problema para a saúde pública, visto que, por não estarem devidamente cuidados (alimentados, vacinados, desparasitados), acabam por propagar doenças, formar matilhas e atacar a população.

Inicialmente receei que fosse difícil para eles não encarar a intervenção que fazemos na Animalife como algo supérfluo, visto que se deparam diariamente com situações de vida ou morte no seu contexto de trabalho.

Porém, não podia estar mais enganada. Durante o período em que acompanhei o seu estágio, tive a oportunidade de responder a todas as questões e explicar o porquê de, no mundo ocidental, termos o privilégio de nos podermos focar nas questões ligadas ao bem-estar animal. 

Não só isso como sinto que todos saíram daqui com a noção de que o animal é parte integrante da família e que deve ser encarado como tal, e consequentemente ter direitos e o cuidado de entidades formadas para assegurar o seu bem-estar.

Foi uma semana de muita aprendizagem conjunta, em que tivemos oportunidade de lhes apresentar a intervenção que fazemos no terreno, junto de famílias e pessoas em situação de sem-abrigo e dos seus animais de estimação.


Considero que, ao verem de perto os utentes e o carinho e preocupação que estes demonstram pelos seus animais de estimação, lhes deu uma visão completamente diferente sobre como, muitas vezes, o animal é um fator determinante para o bem-estar da família bem como o único vínculo afetivo que algumas destas pessoas têm.


Mariana Silva - Responsável Programa de Apoio a Famílias da Animalife