Como pôr fim ao abandono animal
15.08.2020
O Dia Internacional do Animal Abandonado assinala-se hoje. Em Portugal, esta continua a ser uma data negra para a causa animal, tanto pelo número absurdo de abandonos como pela ineficácia do sistema para pôr fim a um problema para o qual a Animalife acredita poder haver solução.
Ainda que em 2019, segundo dados oficiais, o número de animais abandonados em Portugal tenha descido para perto de 32 mil, sabemos que estes são dados que não traduzem a realidade que se vive no país. Para a estatística, contam apenas os animais acolhidos pelos Centros de Recolha Oficial (CRO), atualmente sobrelotados e, por isso mesmo, incapazes de retirar novos animais das ruas.
De acordo com números da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), em 2019 foram abandonados 31 966 animais, um número inferior ao do ano anterior – em que foram recolhidos 36 500 animais – e ainda mais surpreendente se comparado com o de 2017 (40 674 animais recolhidos). Gostaríamos muito de acreditar que, em apenas dois anos, foram abandonados quase menos 10 mil animais, mas o dia-a-dia no terreno mostra-nos que estes números estão infelizmente longe da realidade.
Diariamente são deixados animais diretamente às portas de associações, de clínicas veterinárias ou até mesmo na rua, em muitos casos devido à incapacidade dos centros oficiais, agora impedidos de realizar abates, para os acolher.
A polémica lei do abate
A existência de dificuldades relacionadas com a sobrepopulação de animais nos CRO é hoje uma realidade, transversal à maioria dos municípios. A situação agravou-se consideravelmente com a entrada em vigor da lei 27/2016, que proíbe o abate de animais errantes como forma de controlo da população.
Muito falada nos últimos tempos, na sequência do incêndio que destruiu dois abrigos em Santo Tirso causando a morte a 73 animais, a lei é apontada por muitos como precipitada e causadora da situação caótica que atravessa a maioria dos CRO em Portugal.
Recentemente, um grupo de trabalhadores da DGAV exigiu a reposição da verdade face às acusações do primeiro-ministro na sequência do incêndio em Santo Tirso e lançou fortes críticas à lei que impede o abate, avançando alguns números que importa conhecer. As estimativas apresentadas por este grupo apontam que, tendo em conta que um cão pode viver, em média, 12 anos, se houver 20 mil animais recolhidos, que não são adotados nem abatidos todos os anos, Portugal tem que encontrar abrigo para 240 mil cães e gatos a médio prazo, evitando a sua reprodução. Se cada um deles custar 300 euros por ano, em alimentação e saúde, isto representa um valor de 72 milhões de euros anualmente. A isto acresce o custo da construção e manutenção de milhares de abrigos. Posto isto, os trabalhadores da DGAV questionam o primeiro-ministro se Portugal “pode dar-se ao luxo de gastar 100 milhões de euros por ano em canis e gatis”, notando que este foi o montante com o qual o Governo reforçou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) face à pandemia de Covid-19.
Combater o problema na origem
A Animalife luta, desde a sua criação em 2011, para pôr um fim definitivo ao abandono de animais de estimação. Acreditávamos na altura, e continuamos a acreditar agora, que a solução passa por atuar a montante do problema, apoiando economicamente aqueles que se veem obrigados a entregar os seus animais por não poderem cuidar deles. E é isso que fazemos todos os dias.
Através dos nossos três programas de apoio – a famílias carenciadas, a pessoas em situação de sem-abrigo, a associações e grupos de apoio animal –, zelamos para que todos possam manter os seus animais em condições de vida dignas. Atualmente, conseguimos dar apoio a cerca de 350 entidades de apoio animal e a mais de 700 pessoas em situação vulnerável, num universo de mais de 60 mil animais ajudados.
Admitimos que possa haver, em certos casos, comportamentos sociais irresponsáveis por parte dos detentores, mas, em momento algum, consideramos que essa possa ser apontada como uma das principais causas para o abandono de animais em Portugal.
Defendemos o princípio da detenção responsável e, nesse sentido, elencamos a esterilização, a identificação eletrónica e a adoção como três estratégias fundamentais para prevenir e minimizar o impacto do abandono de animais de companhia.
E quando falamos em esterilização referimo-nos a todos os animais, principalmente aos pertencentes a famílias com poucos recursos, e não somente à esterilização de animais errantes.
O abandono é um problema estrutural que pede uma maior intervenção e cooperação de todas as entidades públicas e privadas envolvidas na sua prevenção. Esperamos que a recente tragédia de Santo Tirso não caia no esquecimento e que as medidas anunciadas, como a criação de um grupo de trabalho para o bem-estar animal, que tem como principal missão definir uma estratégia nacional para os animais errantes, constituam um primeiro passo no sentido de se encontrar uma possível solução. Para que o dia 15 de agosto deixe, em definitivo, de ser esta data triste que tanto gostaríamos de não assinalar.